VOYEURISMO LITERÁRIO

DESNUDA CONTO: Um BLOG para quem tem curiosidade de saber como se dá a arquitetura de um conto, desde a idéia inicial à construção do enredo, cenários e personagens.
Aqui, revelarei despudoradamente minhas experiências durante a criação de um novo trabalho literário, como inpiração, autores e livros que influenciaram na edificação do projeto, curiosidades, sucessos, fracassos, futuros desafios e como meus amigos e familiares, meu trabalho e vida social influenciam no desenvolvimento de meus textos.
Pode entrar. O conto é seu.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

DESCANSA

Passei o feriado de 07 de Setembro, na cidade litorânea de Canoa Quebrada, aqui, no Ceará. Era madrugada, todos estavam dormindo, enquanto eu tomava algumas doses, tragava alguns cigarros, sozinho, esperando que o sol nascesse. A solidão durou pouco... Este texto serpenteou dentre o lusco-fusco do dia que surgia e me delatou descaradamente...
Duvido, mas creio. Ele não é de verdade. Muito papo, tanto riso, pouca carne, tenta me convencer que ir até a esquina valerá à pena. Mas descer a minha própria rua já é de um risco gigantesco, prefiro não segui-lo, esperarei por meu pai, minha mãe, meu desejo de parecer real, mas eles também terão medo. Ele segurou minha mão e disse agora!, agora quem?, agora quando?, agora hoje?, agora ele parece de verdade?, ou agora ele finge que não mente? Agora nada. Quieto. Eu parado. A interrogação na esquina. Ou a interrogação depois deste jamais que não sinto de fato?

Ele sabe. Eu não sei e finjo saber. Ele ri bobo, a boca torta, quase verdadeira, fala pouco, até a esquina, até a esquina. Até lá, não posso. A esquina contém possibilidades que já me interessaram um dia, mas... Agora não. Agora somente se neste agora eu não fosse quando, que eu fosse antes. Fica aqui, não vai, não me chama, permanece. Eu não sou movimento. Eu sou mudo. Mudo. Ah, é? Você diz que a estátua vai? Ai, ela vai, meu bem, mas não fala! Muda! Muda! Muda! Desista, desnecessário herói. Não me salve da mentira que amo e que leva teu nome. Ate lá não irei. Que sono... Que sono... Que sonho? Quando durmo? Durmo...? Sonho? Ai, sai, não descerei a rua. Aqui. Aqui. Aqui é tranquilo e parece bom mentir-se um simulacro da paz. Não tu. Eu. Deixa-me. Sem ti, permito minha mão que vez ou outra me parece amiga, não a esquina que se dobra feito cotovelo dolorido de espera, curvado sobre a mesa, diante do prato esquecido enquanto a tua fome passeia cansada dentre as pedras desta rua. Minha rua.

De onde ele veio? Ele é tu, percebe? Triste engano... Não teu... Meu. Ele é tu. Não há esquinas em palavras que parecem tão retas. Mas o simples fato de pensar em segui-lo, seguir-te, seria como me perder entre o desejo de ser devorado e o de jantar em casa. E se eu for? Ai, se eu for... Ai, já estive lá... Creia-me, amigo, que me faz mal por não bastar-me como tanto! Creia na farsa insolente que nem eu acredito! As esquinas são piores que o beijo de um sem lábios, que o beijo de um sem língua, porque as esquinas beijam bem. E te lambem, te enchem desta coisa perversa chamada é mais ali, segue, segue, e o tolo segue às cegas. Já fiz, já acreditei nestas mentiras que transformam o mundo em um lugar parecido com o que deveria ser, mas sei que ele é bem menor do que o mundo que leio nos livros de quiromancia, e menos claro, pouco sol. O mundo é do tamanho de meu olhar correndo a rua e vendo até onde fui e até onde decidi não voltar mais. Não vou. Não irei contigo. Mas, enquanto durarem as mentiras, segura minha mão e sustenta este riso de quem sabe que eu quero só mais uma vez descer até lá e esticar meu pescoço nas duas direções... E não ver nada. Olhos mutilados que cessaram o balbucio. Não preciso ver. Sou mudo... Basta-me, não vou. À esquina, não!

E este teu passo que avança na direção do eu sozinho? Lá não, meu bem! Lá existe o risco do eu nunca. Muitas vezes, eu nem sempre. Mas, eu aqui. Estou aqui. Escuta? Não? Ai, perdi! Perdi! Se não sente, é porque já está indo. Mas, para aonde, meu bem? Para aonde? Eu, cheio de orgulho, de gozo por não ir mais, e você seguindo sozinho... Ai, seu patife, que acaracia minha covardia! Aqui é quieto. Escuta-me, terrível amante que não me sabe, que não me percebe, e mesmo assim me arrasta até onde já fui e voltei com medo de todos os teus tis, teus tus, teus vocês, teus meus que não me pertencem. Escuta-me. Escuta-me. Sou mudo! Mudo! Mas todas as coisas que eu não disse, meu bem, estão aqui. Não, seu tolo, não dentro de mim... Nem mesmo na esquina. Todas as coisas que eu não disse estão entre estas palavras que não dizem nada e teus olhos que ignoram saber que tudo que eu não falo é sobre ti.

Não vai. Descansa.

Aqui.